Glaucoma

Revista Canhamo - Setembro 2001
O caso de Robert Randall
Dr. Ricardo Navarrete

No dia 2 de junho de 2001, falecia aos 53 anos em sua residência de Sarasota (Flórida) Robert Randall, doente de glaucoma que, depois de lutar com o governo, conseguiu em 1976 ser o primeiro cidadão americano com direito legal ao uso da marijuana com fins terapêuticos desde sua proibição.

Esta doença se caracteriza pela existência de um excessivo aumento da pressão do humor aquoso que se encontra no interior do olho, seja por uma maior produção da dita substância ou pela dificuldade em sua drenagem. O aumento constante da pressão recai sobre o nervo ótico, que vai se deteriorando, fazendo com que o paciente sofra uma progressiva perda de visão, sendo, junto com a diabetes e a catarata, os principais motivos atuais de cegueira. Existem bons colírios que diminuem a pressão intraocular, mas geralmente com efeitos colaterais e desenvolvimento de tolerância. Isto faz com que, frequentemente, os doentes acabem necessitando de uma intervenção cirúrgica.

O conhecimento e estudo do glaucoma se devem ao desenvolvimento do tonômetro, aparelho que mede a pressão ocular. É lógico, pois, que não existem referências dela na literature médica clássica, incluídos os tratados de cannabis e suas propriedades terapêuticas. Disitindo do que aconteceu com o descobriento de outras indicações, não houve casos de pacientes com glaucoma que afirmaram beneficiar-se do uso da maconha, muito menos oftalmologistas que o afirmassem em suas consultas. O descobrimento dessa indicação se deve a um acontecimento fortuito: em 1971 a polícia americana queria utilizar como prova incriminatória a suposta midriasis (dilatação da pupila) que se acreditava resultado do uso dessa substância. Para isso, encomendaram um estudo aos doutores Hepler e Frank da Universidade da Califórnia, que mediram diversos parâmetros oculars de voluntarios que previamente haviam fumado cannabis, a diminuição era de 25-30% (até 50% em alguns pacientes), desaparecendo o efeito em 4 ou 5 horas. É igualmente eficaz por via inalada, intravenosa e oral, ainda que para a eficácia dessa última precisamos de doses elevadas, de até 20-25 mg. Assim mesmo, se constatou que não somente o THC tinha esta propriedade, como também outros canabinóides como o delta-8-THC e o 11-hidroxi-THC diminuiam a pressão ocular. Sem dúvida, todos eles são psicoativos e, como o glaucoma requer um terapia continua, o paciente necessita consumir permanentemente e estar sempre sobre seus efeitos. Este é o grande incoveniente da cannabis para o glaucoma.

No princípio se pensou que a queda da pressão do líquido intraocular provocado pela marijuana se devia a diminuição de água no olho como consequência da hipotensão arterial que a cannabis provoca, efeito parecido ao exercido pelos diuréticos também empregados nessa patologia. Porém, o descobrimento recente da existência de receptores específicos CB1 no globo ocular, surgiu a possibilidade de desenvolver colírios que atuem exclusivamente sobre eles, evitando desta maneira o efeito psicoativo indesejado. Os canabinóides naturais não são hidrófilos e, por isso, são inúteis neste tipo de preparados. Atualmente, se está trabalhando com uma molécula resultante da união da anandamida (ligando endógeno como princípio ativo) com uma substância denominada ciclodextrina, que permitiria sua estabilidade em meio aquoso e absorção pela córnea. Também o conhecimento da medição dos receptors CB1 como mecanismo de ação dos canabinóides, diferente dos demais colírios utilizados nesta enfermidade, leva a pensar em uma nova possibilidade terapêutica: a combinação com outros medicamentos, atualmente empregados no tratamento, diminuindo a possibilidade de desenvolver tolerância pelo uso prolongado.

Robert Randall paciente de glaucoma desde sua adolescência. Um oftalmologista lhe disse que rapidamente perderia a visão, porém, com a ajuda do Dr. Hepler, iniciou um tratamento com cannabis, que ele mesmo plantava, até que foi detido pela polícia. Exigiu, então, que realizassem testes que provaram que a maconha fumada era mais eficaz que os medicamentos convencionais que utilizava. Com a aprovação da FDA (Administração para Drogas e Alimentos), foi inscrito em um programa (atualmente fechado) do uso permitido de medicamentos ilegais e acompanhado pelos doutores John Mettitt e Richard North, os quais testemunharam no Tribunal que a marijuana fumada o havia ajudado a conservar a vista. Desde então tem recebido cigarros de cannabis do Estado até sua morte.

O testemunho de Randall está documentado no site www.marijuana-as-medicine.org/alliance.htm) para informar a outros pacientes suas experiências e difundir os estudos clínicos que existem sobre a marijuana e esta doença.