Propaganda em Estradas

O órgão que regulamenta a propaganda no Brasil admite que a propaganda de bebidas alcoólicas às margens de rodovias é inadequada, mas nada faz para impedi-la.

A cada três mortes envolvendo motoristas alcoolizados, ocorridas nas estradas do país, duas das vítimas não estavam alcoolizadas. A informação fornecida por Ricardo Teixeira, diretor de operações do DER-SP, dá uma idéia da voracidade com que o álcool tem feito vítimas nas rodovias brasileiras.
Apesar de proibida a venda em bares com saídas para rodovias em alguns estados da federação, como é o caso de São Paulo, a propaganda em painéis às margens de rodovias deste e de outros estados do país continua livremente.
Mesmo considerando "inadequada" a veiculação de propagandas de bebidas alcoólicas em painéis à beira de rodovias, o publicitário Luiz Celso Piratininga, presidente interino do Conar, instituição que fiscaliza a ética da propaganda comercial veiculada no Brasil, afirma que não há nenhum impedimento legal.
-Talvez não seja adequada. Não obstante, não há nenhuma restrição constante no Código de Auto-Regulamentação Publicitária. Acreditamos que se um produto pode ser vendido, tem o direito de ser anunciado.
Criado em 1978, às vésperas da anistia política e em pleno governo Geisel, penúltima encarnação de um governo militar no país, o Código de Auto-Regulamentação Publicitária é digno de muitos méritos. Entretanto, apesar de ser constituído por equipes multidisciplinares, que congregam os principais veículos de comunicação do país, a instituição, de acordo com seu presidente interino, nunca recebeu consultoria de especialistas em prevenção de acidentes.
-Julgávamos que a distinção na forma de anunciar bebidas de alto e de baixo teor alcoólico era suficiente.

Indiferença perigosa

Para o presidente da Associação Brasileira de Acidentes e Medicina de Tráfego (ABRAMET), Fábio Racy, apenas a ignorância acerca dos efeitos do álcool sobre o corpo humano pode explicar a postura do Conar em relação ao tema.
-Pensar que um tratamento diferenciado para publicidade de bebidas de alto e baixo teor alcoólico é uma forma responsável de tratar o assunto, é típico de um organismo que nunca pediu a opinião de especialistas sobre a matéria. Imaginar que a propaganda da marca de um fabricante de bebidas alcoólicas é menos perigosa do que a propaganda de um produto é uma irresponsabilidade, sobretudo, quando esta está exposta às margens de uma rodovia.
Segundo o psicólogo Fernando José Wanderley, a marca de um fabricante está indissociavelmente vinculada ao produto por ele comercializado.
- Ninguém é tão ingênuo para imaginar que a propaganda da marca do whisky Johnnie Walker tem como finalidade suscitar o desejo de andar a cavalo. A idéia é incentivar, sim, o consumo da bebida.
Para o coordenador de operações do DER-SP, Ricardo Pinto, embora a legislação não restrinja a veiculação de mensagens publicitárias de bebidas alcoólicas ao longo de rodovias, a filosofia do órgão é tentar dissuadir os anunciantes.
-Poderes para impedir, não temos, mas estamos sempre mostrando aos anunciantes que a propaganda desse gênero traz enormes malefícios à sociedade. De um modo geral, ao mostrarmos as estatísticas relacionadas ao consumo de álcool em rodovias, conseguimos bons resultados.

CONAR: "a responsabilidade é dos anunciantes"

Luiz Celso Piratininga admite que há, "se houver respaldo científico para tanto", espaço para a discussão acerca do tratamento dispensado ao teor e veiculação da publicidade de bebidas de baixo teor em rodovias. Mas questionado sobre o interesse do Conar em receber consultoria especializada para questões relativas à segurança nas estradas, Piratininga recomenda que a mesma seja oferecida aos anunciantes.
-Não acredito que precisemos de consultoria. Sugiro que ela seja oferecida aos anunciantes. Além do mais, não acredito que a proibição venha resolver o problema. Ela pode apenas promover um reposicionamento no ranking das marcas dos fabricantes.
Dispensado ou não pelo Conar, o presidente da ABRAMET garante que, caso venha a ser chamado a dar sua opinião, gostaria de fazê-lo não apenas em relação ao tema desta matéria, como também em diversos outros assuntos potencialmente danosos a motoristas e pedestres.
- Não se trata apenas da questão da propaganda de bebidas alcoólicas, existem diversos outros temas abordados pela propaganda no Brasil que comprometem a segurança nas estradas.

6 Decigramas de álcool

Acostumados a medir o grau de alcoolização pela quantidade de doses, garrafas, ou mililitros ingeridos, motoristas de todas as partes do Brasil consideram enigmático os "6 decigramas de álcool" tolerados pelo novo Código Nacional de Trânsito.
Além de não informar a unidade métrica escolhida para expressar o consumo máximo tolerável pode, segundo o médico e presidente da Associação Paulista de Medicina de Tráfego, Mauro Augusto Ribeiro, causa equívocos.
- A tolerância ideal é a tolerância zero. Quem poderá afirmar que esse ou aquele sujeito está mais ou menos predisposto aos efeitos do álcool? É preciso deixar bem claro: aquele que bebe ao volante é sempre perigoso.
Segundo o médico, mesmo ingerido em doses bem menores do que os 6 decigramas, o álcool atua quase que imediatamente como um depressor da censura.
-É muito fácil identificarmos o comportamento de motoristas que ingeriram mesmo pequenas quantidades de álcool. Eles tendem a ser mais ousados, agressivos, consideram-se, erroneamente, mais aptos.
O médico acredita que o rigor do novo Código Nacional de Trânsito de muito pouco adianta para coibir os excessos. Sem uma fiscalização redobrada, a criação de tribunais especiais e o fomento de uma política nacional de educação de trânsito, o álcool permanecerá por muitas gerações levando o terror às estradas.
-Nos Estados Unidos e no Japão, o motorista que é pego alcoolizado é preso, julgado e condenado no mesmo dia. Além disso, há, no Brasil, muita licenciosidade no que diz respeito às mensagens de incentivo ao consumo de bebidas alcoólicas.