A história de Mário, um alcoólico em recuperação. Mário bebeu durante 30 anos. Tinha 42, quando se deu conta que com certa freqüência, depois de uma bebedeira, não sabia explicar como chegara em casa ou por que tinha acordado num canto qualquer da cidade. Nas clínicas em que chegou a ser internado por doze vezes, "havia uma ala reservada para os 'zumbis', pessoas que queimaram a fita mesmo, ficaram improdutivas e não podiam mais viver em sociedade por causa da cachaça". Temia ficar igual a eles. Numa crise, foi parar no Instituto Eldorado em Diadema. Na manhã seguinte, passada a bebedeira, seu único desejo era sair dali para beber alguma coisa. Na volta do refeitório, porém, num dos corredores, um cartaz chamou-lhe a atenção: "Se você quer beber, o problema é seu; se quer parar de beber, o problema é nosso. Assista às reuniões do AA, às 19:30h, no refeitório". Quando leu AA, Mário lembrou-se de um amigo de infância que, como ele, já experimentara "o fundo do poço" e que estava recuperado. Mário nunca levara a sério os convites para freqüentar o AA. Tinha a arrogância própria dos alcoólicos. Acreditava que beber ou não dependia só de sua vontade. Recordar a recuperação do antigo companheiro animou-o a assistir à reunião e o que viu e ouviu deixou-o estupefato. "Quando o pessoal do AA falou, contou a minha vida. Só não empatou quem disse que perdeu o emprego porque nunca trabalhei, nem a família porque não me casei. Eles descreveram a bebedeira, como começava, porque a gente começa a beber sem saber por que começou e não consegue parar". Mário já tinha experimentado várias paradas forçadas. Certa ocasião, ficou 40 dias em casa, tomando remédios, sem provar uma gota de álcool sequer, mas a vontade de beber estava presente sempre. Sua vida ficava insuportável. Nada tinha graça. Nada prendia sua atenção. Era uma bebedeira seca e, na primeira oportunidade, "punha o pé na rua e enchia a cara". Sua identificação com o grupo que conheceu foi completa e imediata. Trinta dias depois, aproveitando a primeira licença, Mário estranhou ter encontrado dinheiro no bolso da calça limpinha que a mãe deixara sobre a cama. Ficou intrigado. Dinheiro era o que menos a família lhe dava para evitar que bebesse. Naquele dia, porém, o dinheiro não saiu de seu bolso. Uma voz imperiosa dentro dele ordenava: você tem de ir ao AA. Mário obedeceu naquele dia e nos subseqüentes. Em vez de voltar para a clínica, ingressou no AA e a obsessão pelo álcool e a ansiedade foram desaparecendo aos poucos. Se lhe perguntam se nunca mais bebeu, responde: "até hoje não". Para os membros do AA, não existe para sempre. É só por hoje. Só por hoje se evita o primeiro gole, porque só assim se evitará os demais.
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