Adolescência, crise de identidade e álcool Adolescência, do latim ad , para + olescere , crescer, significa crescer para. A adolescência é precedida, por um período mais delimitado, mas intimamente ligado a ela, de mudanças físicas determinando a maturação sexual, a puberdade. Em 13 de julho de 1990 a Lei Federal 8069 aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabeleceu a faixa etária de 12 a 18 anos como o período da adolescência. Dividido em duas partes, na primeira o ECA versa sobre os direitos da criança e do adolescente; e na segunda sobre as providências para cumprir a primeira parte e as sanções ou conseqüências de seu não cumprimento. O ECA define que crianças e adolescentes são indivíduos em desenvolvimento que necessitam de atenção especial e garantias de defesa. Portanto, o Estatuto define também que crianças e adolescentes são cidadãos com direitos, como o direito à convivência familiar e comunitária, direito à saúde e alimentação, direito à liberdade, respeito e dignidade, direito à educação, esporte, lazer, ao trabalho e à profissionalização. O ECA prevê também a proteção integral, a existência de políticas básicas e as medidas de proteção no caso de ação ou omissão da Estado, da sociedade ou dos pais ou dos responsáveis. Defende, então, a ação socio educativa e a proteção, ao invés de ações assistencialistas e medidas repressivas. O ECA determina que todos são responsáveis pelas crianças e adolescentes: pais, comunidade, sociedade e Estado. Embora, com algumas variações, a puberdade seja praticamente um fenômeno universal, já a própria adolescência varia de cultura para cultura. Há culturas onde a adolescência ocorre de forma gradativa; outras onde há ritos de passagem assim que se inicia a puberdade. O objetivo é favorecer que a passagem da infância para a vida adulta ocorra sem traumas ou crises. Na sociedade ocidental, geralmente de valores contraditórios e de uma cultura em constante mudança, a adolescência tende a ser mais longa e sofrida porque a sociedade pouco facilita para o jovem esse período; pelo contrário, tende a torná-lo simplesmente conformado com o sistema. Mesmo assim, há adolescentes que passam tranqüilamente por essa etapa. Em uma mesma sociedade a adolescência pode assumir diversas formas (BECKER, 1985): "Uma criança pobre, por exemplo, será empurrada para a vida adulta muito mais precoce e abruptamente do que um jovem de uma classe mais privilegiada, que pode prolongar sua adolescência indefinidamente. Existe ainda um outro tipo de diversidade no `adolescer': num contexto em que atuam fatores sociais, culturais, familiares e pessoais, os jovens assumem idéias e comportamentos completamente diferentes. Há os que querem reproduzir a vida e os valores da família e da sociedade, há os que contestam, rejeitam e querem mudar; os que fogem, os que lutam, os que assistem, os que atuam... enfim, existem inúmeras escolhas."(BECKER, 1985, p. 13). Quanto ao curso das relações sociais durante a adolescência, ele está vinculado a vários fatores, principalmente ao desenvolvimento da personalidade. Importantes elementos evolutivos da identidade pessoal possuem componentes de relações sociais que, por sua vez, desempenham um papel importante na gênese dessa mesma identidade. (FIERRO, 1995) A adolescência, assim, é uma etapa de aquisições, por exemplo, das operações formais, da internalização da moralidade, de um novo modo de consciência; e também de profundas e significativas mudanças: físicas, emocionais, sociais, culturais. Mudanças físicas repentinas, determinadas pela ação dos hormônios, que muitas vezes incomodam a auto-imagem do adolescente; expectativas próprias, da família e da sociedade quanto a buscar um novo espaço social, a busca da independência e o temor do fracasso, valores aprendidos na família contrastados com o do grupo de companheiros, a necessidade de adotar ou não as normas desse grupo para ser aceito, o desenvolvimento da auto-estima, o despertar para a sexualidade e para a paixão é alguns dos elementos conflitantes do mundo adolescente. Mas essas contradições não são apenas relativas ao mundo interno. Dada sua capacidade agora de abstração, o adolescente percebe também que o mundo exterior é contraditório. Isso se agrava quando o ambiente familiar do adolescente é desorganizado no sentido das relações ali estabelecidas, em função de problemas psicológicos e sociais que individualmente os pais vivem e que influenciam a relação conjugal e conseqüentemente as relações com os filhos. Uma amostra, em forma de romance, dessa situação familiar, que por vezes chega a ser caótica em termos de convívio grupal primário, pode ser constatada no texto Uma Leve Esperança de L. Dorin (DORIN, 1985). É em meio a essas contradições que o adolescente ora se mostra altruísta e cooperante, ora se mostra egoísta e transgressor de normas; ora idealista e reformador, ora sem iniciativa de cuidar de seus pertences; ora onipotente e inatingível, ora fragilizado e com baixo limiar à frustração. O adolescente se percebe despojado de sua infância e, ao mesmo tempo, frente a caminhos incertos. Então, com grande carga de angústia, o adolescente busca elaborar uma síntese dessas contradições: encontrar um novo sentido para si mesmo e como ser-no-mundo. Tudo isso caracteriza a crise de identidade que permeia essa etapa da vida, cuja elaboração é de fundamental importância para a personalidade. A instalação da descontinuidade ou da crise de identidade resulta quando ocorre um número muito grande de eventos numa unidade de tempo. Problemas com a identidade pessoal pode ocorrer então não apenas na adolescência, mas em qualquer época da vida, porque a crise de identidade está associada com mudanças que ocorrem ao mesmo tempo e rapidamente com o indivíduo ou quando o contexto é alterado de forma repentina. Um senso de nós mesmos, isto é, de identidade, necessita de uma história, de continuidade, gradualismo. Na crise de identidade há o temor de perder a continuidade da história. Se as tábuas de um barco de madeira são substituídas à medida que apodrecem, após 50 anos não é o barco original, mas continua sendo o mesmo barco. Ou seja, o fato das tábuas serem substituídas gradualmente não alterou a "identidade"do barco. Entretanto, se as tábuas são trocadas ao mesmo tempo, a "identidade"do barco não pode ser mantida (LEWIS, 1999). Assim, a adolescência, caracterizada por mudanças rápidas no físico, no psicológico e no social, implica na crise de identidade. Metaforicamente o adolescente é como um barco cujas tábuas devem ser quase todas substituídas ao mesmo tempo. Por isso que a adolescência é o período por excelência de risco para o ingresso no uso de substâncias psicoativas. Não só pelo fato de querer experienciar o novo, buscar novas emoções e desafios, mas também encontrar nessas novas buscas "respostas"para o seu viver. A sociedade, em seus diversos segmentos e o poder midiático influenciando o comportamento social, na maioria das vezes, apontam caminhos mais para a obtenção de objetos de consumo, menos preocupados então com respostas visando o crescimento interior. No meio de profundas desigualdades sociais e de uma mídia apelativa para o consumismo e para pseudovalores da vida, os indivíduos sentem-se incluídos socialmente quando cumprem com eficácia essas expectativas, ou seja, quando se movem socialmente para um status considerado melhor pelo consumo, pela mera aquisição e pela acumulação de objetos. A ideologia, linguagem dos que controlam o poder, exatamente inculca a confusa percepção social de que padrão de vida é o mesmo que qualidade de vida. Padrão e qualidade de vida não se excluem, mas o jogo ideológico faz com que os indivíduos aceitem que basta melhorar o padrão de vida que a qualidade virá por acréscimo. O meio social oferece mais riscos que proteção aos adolescentes. Não apenas ao problema das drogas, mas no todo. Pais preocupados com seus filhos adolescentes não se sentem seguros ou tranqüilos quando os filhos saem de casa, mesmo que essas saídas sejam para locais considerados tradicionalmente seguros, por exemplo, a escola e a Igreja. Pairam, principalmente, o temor das drogas e o da violência. No que se refere ao álcool, o problema é mais grave. Por ele estar tão próximo, tão acessível, deixa a impressão de que é semelhante a um animal doméstico que não causa mal algum. O álcool está inserido na cultura, presente nos lazeres e encontros adolescentes, presente dentro das casas, presente tanto na vida profana como no ritual religioso. Desse modo, consumir álcool pode parecer normal para o adolescente, sem muita censura ou orientação por parte dos pais. Conforme estudo apresentado pela UNESCO, "estudantes começam a beber por curiosidade, pelo desejo de inserção social, para esquecer problemas e para `ter coragem' nas `paqueras'."(Citado por NOSSA, 2002). Na elaboração de sua identidade o adolescente pode perceber que o álcool pode amenizar momentos de angústias e interferir na elaboração da busca do novo sentido de si mesmo, porém, esse amenizar, pode implicar num sentido de vida fragilizado. Geralmente, o adolescente percebe que quando consome álcool "teoricamente as coisas ficam mais fáceis, contudo, não percebe que, inadvertidamente, pode transformar o consumo de álcool como parte da busca de seu sentido de vida e de ser-no-mundo, ou seja, tornar o consumo de álcool como ingrediente indispensável na elaboração de sua crise. Para KALINA & GRYNBERB (1985) a adolescência é o segundo nascimento. O primeiro, evidentemente, é o nascimento biológico, do qual nada lembramos. O que sabemos do nascimento biológico são pelas informações de nossos pais. Já, a adolescência, é um novo despertar para vida. É o segundo nascimento, em todos os sentidos, incluindo o físico, pois o corpo passa por significativas transformações. O adolescente não pode abrir mão de elaborar esse novo nascimento; precisa ser sujeito de sua história. A boa mãe, entre outros cuidados, durante a gestação não consome drogas ilícitas ou lícitas como o álcool e o tabaco, pois sabe que o consumo de alguma dessas substâncias, especialmente o álcool e o tabaco, pode trazer sérios prejuízos ao feto e complicações no parto. A boa mãe, portanto, nutre o novo ser de alimento bom, nutritivo. Assim, também, a sociedade de modo geral e os pais em particular devem cuidar para que a "gestação"do despertar do adolescente para a vida seja nutrida de "bom alimento.
|